Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

Folha. Colher verdade para vender mentira?, por Armando Coelho

A Folha de S. Paulo vive há anos “contando mentiras dizendo verdades”. Aliás, tema de uma peça publicitária dela, premiado em Cannes (1988).

Reprodução Youtube

Folha de S. Paulo. Colher verdade para vender mentira?

por Armando Coelho Neto

O tema, em princípio, é Folha de S. Paulo, mas cabe antes falar de Globo, por pertencerem a mesma cepa. Em 1992, a emissora produziu a bem-sucedida série “Anos Rebeldes” (Gilberto Braga), na qual conta parte da ditadura militar, com foco inclusive na guerrilha, sequestro de embaixadores, etc., mas comete a proeza de omitir o seu próprio papel como braço dos ditadores e que deles foi porta-voz.

Folha de S. Paulo. Não, leitor, não cabe relembrar que ela conseguiu lacrar que foi vítima de “invasão” pela Polícia Federal, durante o governo Fernando Collor de Mello, o salvador da pátria de então, um “imbroxável” da época que tinha “aquilo roxo”. Junto com a Globo et caterva, o jornal o tornou presidente. “Invasão? ” Os policiais federais da operação nunca foram ouvidos. Vale a versão dos Frias.

Também não cabe aqui, falar de “Folha Corrida”, um documentário produzido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), segundo quem, a Folha abrigava agentes da ditadura que “torturavam de manhã e trabalhavam no jornal à tarde”. O veículo publicava fotos, nomes completos e filiação de militantes do Partido Comunista, conclamando o público a fazer denúncias. É o que diz a produção do ICL.

A Folha de S. Paulo vive há anos “contando mentiras dizendo verdades”. Aliás, tema de uma peça publicitária dela, premiado em Cannes (1988). Num fundo difuso, o narrador enaltece um governante que recuperou a economia de seu país e devolveu o orgulho ao seu povo, e até queria ser artista. Ao ser aberta a imagem, surge Adolf Hitler, e ouve-se: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só verdades”.

Na prática, a Folha de S. Paulo colocou Lula e Hitler no mesmo patamar, com visível intento de desqualificar Lula, com a imagem esfolada pela prisão espúria, e apoiar a candidatura adversária. É que esse mesmo comercial voltou a ser exibido em 2018, durante a campanha presidencial daquele ano, quando os indiscutíveis feitos do presidente Luís Inácio Lula da Silva estavam sendo exaltados.

Os feitos positivos de Hitler e de Lula eram verdadeiros, já que tanto um quanto outro trouxeram dados positivos às economias de seus respectivos países. Tanto um quanto o outro, devolveram o orgulho ao seu povo. Mas, com mentiras embutidas, seja na falsa e maldosa comparação entre as duas personalidades, seja pelo fato da comparação estar a serviço da candidatura apoiada pelo jornal, que se diz isento.

Quando fake news e disciplina nas redes sociais voltam ao centro do debate, nota-se que na prática as redes só potencializaram o que Globo e Folha (meros exemplos) já o faziam. Como dito no comercial, difundiam e difundem mentiras falando verdades, de forma clara ou camuflada. Não debater o sequestro do orçamento por um parlamento corrupto é uma forma de mentir.

Em 13/08/2024, a Folha publicou: “Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo, revelam mensagens”. O uso do genérico “rito” colocou sob suspeita a pessoa do ministro e o próprio tribunal, criando dúvida sobre algo que a rigor não teria rito algum. Seria uma nova Vasa-Jato? O veículo só quis estabelecer uma falsa similaridade e ou semelhança com o ex-juiz ladrão de Curitiba.

A Folha está preparando uma série especial de reportagens sobre o julgamento do ex-capitão. Diante do impacto no futuro do país, com garantia de sigilo e fins estatísticos, o jornal quer saber de possíveis leitores, quais temas gostariam que fossem aprofundados. Nesse sentido, é importante tirar a máscara do jornal, e dele pedir compromisso com a democracia, sem flertes com golpistas.

Folha, Globo et caterva sabem que pavimentaram o caminho para o nazifascismo. Sabem que os problemas de hoje têm raízes num ado próximo com o qual compactuaram. Palavras como ditadura, democracia, censura, direitos fundamentais ganham sentido de ocasião. Os que distorcem os seus sentidos ganham palanques e visibilidade em nome de uma polifonia corrosiva.

Se a Folha está mesmo preocupada com o impacto do julgamento do ex-capitão, tem que resgatar o sentido real das palavras, dar a dimensão real dos acontecimentos. Da Adutora do Gandu aos 700 mil mortos, falar de genocídio, fome, joias, imóveis, discriminação, aporofobia, inclusão, narcopentecostalismo, coisa e orçamento públicos. Há que se reconstituir a história, resgatar valores. Sem anistia.

Entrar na história para contar a História, sem essa de colher verdade para vender mentira.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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3 Comentários

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  1. A mentira é a mola propulsora de todos os males. Como disse o poeta em “O Caçador de Pipas”, quem mente, rouba de alguém o direito à verdade.

  2. Quando a gente vê quem é o autor da matéria antes do título já prepara uma expectativa para o conteúdo, e Armando não decepciona. Das mentes que ordenam os movimentos políticos, muito antes dos arautos, e que pretendem orientar as vontades do povo através de seus cavaleiros comunicando determinações reais, temos a tradição da conveniência e da oportunidade próprias do poder. Os meios de comunicação, arautos de hoje, melífluos ou contundentes são orientados pela ocasião da notícia que o poder ordena veicular. É vã a nossa ânsia pela verdade e arriscam-se aqueles que querem vê-la prevalecer, especialmente quando se vive em grandes grupos sociais. Nem os grandes perigos despertam nossos instintos primários de percepção que poderiam nos livrar do abismo. Dizem que antes de sermos esses seres embotados de agora já tivemos a capacidade da telepatia. Tiraram-nos esse dom para nos dar a palavra porque somente pela palavra podemos praticar a mentira. Quando a comunicação é telepática, a intenção chega primeiro: não há como mentir…Mas isso é para quem já acredita.

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