Em se plantando, tudo dá, e nada se requer, por Luís Nassif

Agora, tem-se ensaios de política industrial em vários ministérios, mas não se resolveu a questão básica, primária: e a contrapartida?

Andre Breton

O primeiro o do planejamento de um país é o levantamento dos fatores estratégicos de que dispõe. No caso brasileiro, um deles são os minerais estratégicos, as reservas de terras raras. O outro é o mercado de consumo interno, como plataforma para exportação para países vizinhos. O terceiro – no caso brasileiro – é a possibilidade de se produzir por aqui valendo-se de energia limpa, hoje em dia um diferencial precioso, especialmente para empresas europeias, submetidas a uma legislação ambiental mais severa.

Foi o que o Brasil fez na década de 50; e a China fez a partir da década de 90, em um movimento que a tornou a maior economia do planeta.

No início dos anos 2.000, por exemplo, a Embraer montou uma t venture com uma empresa chinesa. Pelo acordo, ela iria transferir tecnologia para a empresa chinesa.

Na época, ponderei para Maurício Botelho, presidente da Embraer, que estava criando um concorrente. Sua resposta foi a de que os chineses aprenderiam de qualquer jeito. Pelo acordo, a Embraer poderia se beneficiar, pelo menos,  de alguns anos do mercado chinês.

Na época, a palavra de ordem de toda grande corporação mundial era ir para a China.

Obviamente não foi apenas esse movimento que gerou o milagre chinês. Houve um enorme investimento para enviar estudantes chineses para as melhores universidades dos Estados Unidos, absorver a tecnologia das empresas estrangeiras que se instalavam por lá. 

Outro movimento foi abrir condições para que pequenos e médios empresários, muitos provenientes da área rural, se tornassem empreendedores, gozando de financiamento abundante, novas tecnologias criadas nas universidades, mão de obra barata e um enorme estímulo para exportar sua produção.

No começo da revolução industrial, a França tinha equipamentos muitos mais avançados que os ingleses. Mas a Inglaterra criou condições econômicas para que seus empreendedores – muitos vindo da área rural – deslanchassem.

Em meados dos anos 90, lembro de ter visto um gráfico sobre a produção científica na China e no Brasil. Os chineses tinham picos em algumas áreas específicas. Mas o Brasil tinha bom comportamento em todos os ramos pesquisados.

Desperdiçou-se esse enorme potencial, com o Brasil sujeitando-se a um modelo econômico totalmente amarrado ao capital financeiro.

Agora, tem-se ensaios de política industrial em vários ministérios do governo, mas não se resolveu a questão básica, primária: o que exigir de contrapartida dos parceiros comerciais?

Tempos atrás conversei com uma acadêmica ligada à China. Dizia ela que a China era acusada de apenas comprar terras e vender seus produtos no país. Ora, sabe-se que o Brasil tem uma importância geopolítica central para a inserção da China no sul Global. Mas até agora nada foi pedido para a China, me disse a fonte.

Apenas na semana ada o Ministro das Minas e Energia anunciou a intenção de definir regras para a exploração de minerais raros. 

Os automóveis elétricos chineses estão invadindo o país. Qual a contrapartida pedida? Por que não se negociou com os chineses a capacitação de empresas nacionais para suprir o setor de autopeças dos veículos? Por que não se ousou exigir sociedade com empresas nacionais? Por que não se criou, como contrapartida para a exploração de terras raras, programas de transferência de tecnologia?

Se a soja brasileira será essencial, inclusive para substituir a norte-americana, porque não se negocia capital chines para, junto com o capital e a produção agro, montarem usinas de beneficiamento? 

Em 2024 o Brasil exportou 97,3 milhões de toneladas de soja em grãos e apenas 2,34 milhões de toneladas de óleo de soja. Para este ano, prevê 100 milhões de toneladas. A soja em grão sai pelo equivalente a R$ 2,24 por quilo; e óleo de soja a R$ 6,84, três vezes mais.

Vamos a umas contas simples:

  1. O preço de soja em grão está pelo equivalente a R$ 2,4 o quilo. O preço do óleo em soja está em R$ 6,84, três vezes mais.
  2. O Brasil exporta 100 bilhões de quilos de soja e 2,34 bilhões de quilos de óleo de soja. 
  3. O faturamento da soja em grão equivaleria a R$ 224 bilhões; e de óleo de soja a R$ 16 bilhões. No total, R$ 240 bilhões.

Suponha que o país conseguisse transformar a metade das exportações de soja em óleo de soja.

A conta ficaria assim:

  1. Exportação de soja em grão: R$ 112 bilhões
  2. Exportação de óleo de soja: R$ 342 bilhões.
  3. Total: R$ 454 bilhões ou 102% a mais de divisas.

Ou seja, o país simplesmente dobraria o faturamento das exportações de soja se conseguisse, ao menos.

Vale para todas as demais commodities.

O país tem tudo para ser grande. Falta apenas o essencial: pensar grande.

Leia também:

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E o governo procurando no Vale do Silício parceiros para implantar data centers no Brasil.
    Oferecemos energia elétrica abundante, financiamento de pai para filho no BNDES, o controle soberano (dos EUA) de todos os dados guardados e alinhamento gratuito a todas políticas do trumpe para o setor (e outros).
    De contrapartida recebemos nenhum “green card” para frequentar as instalações, um telefone do Musk para se queixar com o Bispo de plantão e mais uma empresa para financiar a eleição da extrema direita.
    Nada mais, nem um lenço para chorar na rampa. (se fosse o outro governo, ao menos, sobrariam alguns ROLEX)

  2. Quem tem centrão, uma mídia porca e que ideia o país e seu povo, e o próprio povo bovino que aceita tudo por que o pastor diz, o resultado é esse: um amontoado de gente numa extensa faixa de terra totalmente sem noção de sua existência.

  3. Aquilo que é válido quando se refere à presença de multinacionais estrangeiras no País, também é válido para firmar acordos de contrapartida. O País precisa ter claro o que quer de si mesmo, qual é a disposição de assumir responsabilidades. Se o País não acompanhar no seu aspecto geral, um interesse eventual em algo de que possa fazer parte, mostrando que o caminho trilhado por ele é firme, confiável e seguro, terá pouca capacidade de convencer o outro lado. Isso que foi citado sobre a EMBRAER , em alguma medida, expõe sobre como os objetivos das partes tornam mais ou tornam menos proveitoso acordos desses tipos. Aí é preciso mudar a percepção que uma parte decisiva do País tem. O pensar grande. Não dá pra construir algo grande num todo pequeno. O potencial do País necessita que ele seja maior.

  4. Nassif aqui tudo élento(na vdd se conscientizando)me lembro da lavajato destruindo o País pelo menos a uns quatro anos e todos hipnotizados pela midia aplaudindo e o Bolso?Arregaçou o País e gente aplaudindo até agora desta vez hipnotizados pela inter net com a omissão e certa ajuda da midia tradicional,no Brasil agora todos estão preocupados com as suas bolhas hipnotizados por sei lá o quê,enquanto o mundo pega fogo,eles não se dão conta q talvez não haverá nem o amanhã,estr Pais deu uma “sorte”q no momento têm pessoas MINIMAMENTE RESPONSÁVEIS istrando aqui,AFF sem mais,obg ggn !!!

  5. Para notar a diferença entre exportar soja ou exportar óleo de soja, tem um conhecido exemplo da Inglaterra medieval

    Até o século XIV, Inglaterra era mera fornecedora de lã para grandes produtoras de tecido, como Flandres e Florença. Mas a primeira havia ado por crise econômica e a segunda por crise social, ocasionada por uma greve de artesãos. Então, a coroa inglesa resolveu colocar um pesado imposto de 33% a todos produtores que exportassem lã. Já quem resolvesse produzir tecido, pagaria apenas 2% de imposto. A partir de então, com lã abundante e de boa qualidade, a Inglaterra tornou-se forte concorrente, pois ao contrário de outros produtores, não precisava importar matéria-prima.

    O resto da história conhecemos bem. Cerca de 400 anos depois, a revolução industrial faria da Inglaterra a principal economia capitalista do mundo.

    Fonte: Hilário Franco Jr. Idade Média: o nascimento do ocidente.

    1. Excelente exemplo. Tem que se aproveitar a balbúrdia trumpiana para implementar essas políticas. Em CNTP a mídia neoliberal iria vociferar contra essa “heresia”.

  6. Estou escrevendo sem ler os comentários já existentes. Já comentei em outra postagem: sem revolucionar nosso ensino podemos esquecer. Sem se alterar os vencimentos de quem produz idem. Advogados, es, contadores, etc ganham mais que engenheiros e técnicos fácil. O governo federal é um exemplo ilustrativo.
    Do jeito que está colocado pare e que basta visão e planejamento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador