Brasil pode melhorar seu desenvolvimento a partir da DeepSeek, diz professor da USP

Camila Bezerra
Jornalista

Para tanto, governo precisa deixar de ser comprador de tecnologia para fomentar iniciativas acadêmicas focadas na resolução de problemas locais

Nos últimos meses, uma surpresa tem sacudido o mercado global de Inteligência Artificial: a ascensão meteórica da DeepSeek, uma pequena empresa chinesa que se destaca por seus modelos generativos com desempenho comparável a gigantes da tecnologia, como o ChatGPT, da OpenAI, o Gemini, da Google, e o Cloud, da Anthropy. O impacto dessa nova protagonista da IA é tão grande que, em um único dia, a Nvidia, a fabricante de chips avançados, perdeu cerca de US$ 600 bilhões em valor de mercado, refletindo a tensão que essa novidade gerou nas grandes empresas do Vale do Silício.

O diferencial da DeepSeek não está apenas em seu desempenho, mas também no custo: seus modelos são significativamente mais baratos e podem operar com hardware menos avançado, o que torna a Inteligência Artificial mais ível e menos dependente da infraestrutura de ponta utilizada pelas Big Techs. O modelo DeepSeek R1, por exemplo, apresenta desempenho equivalente ao ChatGPT básico em tarefas como matemática, codificação e raciocínio, mas com um custo até 95% menor. 

Enquanto o ChatGPT básico custa 15 dólares por milhão de tokens de entrada, o modelo da DeepSeek pode ser executado por apenas 55 centavos.

Esse avanço da DeepSeek tem profundas implicações não apenas para a indústria, mas também para a geopolítica. As restrições de exportação de chips avançados dos EUA para a China, que visavam limitar o desenvolvimento tecnológico chinês, acabaram por acelerar a pesquisa e a inovação do país no campo da Inteligência Artificial. 

Os chineses, com suas estratégias de engenharia e eficiência, conseguiram alcançar resultados impressionantes com menos recursos de infraestrutura do que os americanos, revelando uma nova dinâmica no desenvolvimento da IA.

Para discutir esse fenômeno, o professor Glauco Arbix, coordenador da área de Humanidades no Centro de Inteligência Artificial da USP, traz uma visão aprofundada sobre o impacto da DeepSeek na pesquisa e no mercado global de IA. Em participação no programa Além do Algoritmo, da Rádio USP, Arbix destacou o cenário de surpresa e inovação trazido pela empresa chinesa e as oportunidades que a ferramenta pode gerar ao Brasil.

“A DeepSeek está desafiando o modelo tradicional da IA, que exige imensos data centers e poder computacional para gerar resultados. Eles encontraram um caminho alternativo, mais eficiente e ível”, explicou Arbix. 

O modelo da DeepSeek, que utiliza múltiplos algoritmos em uma abordagem multimodal, permite que a IA se desenvolva de forma mais barata e eficaz, sem a necessidade de gigantescos volumes de dados. Isso também levou a OpenAI a acusar a DeepSeek de plágio, embora Arbix defenda que não se trata disso, mas sim de uma nova estrutura tecnológica que desafia o status quo.

Outro aspecto relevante é o uso do código aberto pela DeepSeek, o que contrasta com o modelo de código fechado que domina as grandes empresas de IA. O código aberto permite maior transparência e ibilidade, um diferencial importante para o avanço tecnológico em um cenário onde a colaboração e a inovação rápida são essenciais.

A chegada da DeepSeek, portanto, não é apenas uma inovação tecnológica, mas uma mudança de paradigma que pode redefinir a forma como a Inteligência Artificial é desenvolvida, ada e utilizada ao redor do mundo. Com custos mais baixos, maior eficiência e um modelo de negócios mais aberto, a empresa desafia a hegemonia das grandes potências tecnológicas e pode ser um divisor de águas para o futuro da IA global.

Brasil

Na análise de Arbix, os avanços na área da inteligência artificial (IA) generativa promovidos pela empresa chinesa DeepSeek representam uma oportunidade para os países em desenvolvimento, como o Brasil. Isso porque o modelo generativo lançado em janeiro ado por aquela empresa elimina barreiras que até agora impediam o desenvolvimento dessa nova tecnologia por nações sem a infraestrutura adequada. 

Se antes eram necessários uma grande quantidade de dados, data centers cada vez maiores para alojar esses dados, chips de última geração e recursos financeiros vultosos, com o advento do modelo chinês abre-se um novo caminho, já que ele não exige tantos dados – pois se relaciona com outros modelos de IA -, é muito mais barato e utiliza o chamado código aberto, um sistema em que qualquer desenvolvedor de IA pode ter o ao modelo e adaptá-lo à sua realidade e necessidades.

“Temos que absorver essas inovações, adaptá-las à nossa realidade e avançar”, destaca Arbix, lembrando que os países em desenvolvimento precisam aproveitar a oportunidade oferecida pelo novo modelo chinês para combater os “enormes problemas” que enfrentam em várias áreas, da agricultura à saúde e à educação. 

“Não podemos ser somente compradores de IA”, acrescenta o professor. “Temos obrigação de ser desenvolvedores de inteligência artificial. E nisso as universidades têm um papel muito grande.”

O código aberto permite que os desenvolvedores adaptem a IA a diferentes áreas, criando soluções específicas, seja para problemas locais ou para setores especializados. Esse o facilitado à tecnologia tem atraído pesquisadores e inovadores de várias partes do mundo, inclusive de países como os Estados Unidos, que historicamente dominam o mercado de IA.

“Ao trabalhar com modelos de código aberto, os desenvolvedores podem adaptar a tecnologia às suas necessidades específicas, criando soluções mais flexíveis e íveis. Isso é um grande diferencial para países em desenvolvimento, como o Brasil, que não têm os recursos das grandes potências para investir em infraestrutura de dados e computação avançada”, continua o professor.

Na USP, por exemplo, os pesquisadores enfrentam dificuldades devido à falta de recursos para operar modelos de IA generativa que exigem poder computacional elevado. “Aqui, temos pesquisadores de excelência, mas falta o equipamento adequado para trabalhar com os grandes modelos de IA”, explica Arbix. 

Mas com o modelo ível da DeepSeek, entretanto, esses pesquisadores têm agora uma nova oportunidade para avançar em suas pesquisas sem a necessidade de gigantescos investimentos.

A mudança de paradigma trazida pela DeepSeek também reflete o crescimento de outras pequenas empresas de tecnologia, especialmente na China, onde um grupo de startups em Hangzhou, considerado o “Vale do Silício Chinês”, adota modelos semelhantes aos da DeepSeek. 

Empresas como Unitree, Deep Robotics e Game Science 3D têm se destacado por suas inovações tecnológicas em condições adversas, utilizando menos recursos e dados, mas alcançando resultados impressionantes. Esses modelos de IA, muitas vezes de código aberto, estão competindo com as grandes plataformas internacionais, como a Cloud da Anthropic e a Gemini da Google, em termos de qualidade e eficiência tecnológica.

“Essas startups estão quebrando barreiras e mostrando que é possível desenvolver IA de qualidade com menos recursos. Elas estão questionando a hegemonia das grandes plataformas, que sempre exigiram vastos investimentos em dados e infraestrutura”, afirma Arbix.

Porém, essa inovação não vem sem controvérsias. A DeepSeek e outras empresas enfrentam um intenso escrutínio sobre a veracidade de suas alegações e sobre como seus modelos operam. No entanto, a flexibilidade e a inovação que esses novos modelos oferecem, especialmente em termos de aprendizado supervisionado, já estão sendo consideradas avanços significativos. 

“A DeepSeek conseguiu reduzir muito a necessidade de supervisão humana nos processos de aprendizado da IA, permitindo que as máquinas aprendam de maneira mais autônoma e eficiente”, destaca Arbix.

Este movimento de democratização da Inteligência Artificial, possibilitado pelo uso de modelos abertos e pela eficiência em ambientes com poucos recursos, está rapidamente transformando o jogo global da IA. Se, por um lado, a competição entre as grandes potências se intensifica, por outro, as nações em desenvolvimento e as pequenas empresas têm agora a chance de se destacar, inovar e competir em igualdade de condições.

O modelo de IA descentralizada, aplicado pela DeepSeek, se assemelha ao processo científico: ele se baseia em avanços realizados por outros cientistas, adaptando e expandindo os conhecimentos existentes. 

No entanto, apesar das vantagens dessa descentralização, a competição global está se intensificando. A China, que outrora ocupava uma posição secundária, está se equiparando rapidamente aos Estados Unidos em termos de tecnologia e inovação. Países com menos recursos agora têm a chance de explorar e adaptar essas tecnologias, impulsionando o desenvolvimento de novos modelos que podem ser mais eficientes e mais íveis.

Nesse contexto, o Brasil e outros países em desenvolvimento precisam repensar suas estratégias. O investimento em supercomputadores, como proposto no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, pode não ser o caminho mais eficiente. 

Em vez disso, para o professor da USP, a prioridade deve ser adaptar as inovações mais recentes à realidade local, aproveitando as oportunidades para reimpulsionar setores estratégicos. As universidades, com seu potencial de pesquisa, têm um papel crucial nesse processo, ajudando a transformar o cenário de IA no país e proporcionando alternativas mais íveis e inclusivas.

Entretanto, nem todos estão otimistas com o crescimento de empresas como a DeepSeek. Recentemente, o governo da Austrália tomou a medida drástica de banir os serviços da empresa chinesa, temendo que as suas tecnologias possam ser usadas para coletar dados sensíveis de governos ocidentais. A relação estreita entre empresas chinesas e o governo da China levanta preocupações sobre segurança nacional, o que tem gerado reações em países como os Estados Unidos.

Embora as preocupações com a segurança sejam válidas, especialistas acreditam que a proibição não será eficaz a longo prazo. O avanço da IA, especialmente no modelo descentralizado, está acontecendo de forma rápida e irreversível. A verdadeira questão, portanto, é como países democráticos, como o Brasil, podem desenvolver suas próprias soluções de IA, respeitando os direitos de privacidade e os princípios democráticos, sem se submeter à censura ou controle governamental excessivo.

Em última análise, a inovação em IA não depende apenas de grandes recursos financeiros ou de infraestrutura avançada, mas da capacidade de adaptação e da criatividade em ambientes desafiadores. A descentralização do desenvolvimento da IA oferece um campo fértil para novas possibilidades, e os países em desenvolvimento, como o Brasil, têm uma chance única de liderar essa transformação global.

Nota da redação: Este texto, especificamente, foi desenvolvido parcialmente com auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial na transcrição e resumo das entrevistas. A equipe de jornalistas do Jornal GGN segue responsável pelas pautas, produção, apuração, entrevistas e revisão de conteúdo publicado, para garantir a curadoria, lisura e veracidade das informações.

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4 Comentários

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  1. O medo dos países ocidentais da espionagem chinesa é hilário. Se são todos países democráticos, como propagandeiam, têm medo de serem espionados sobre o quê? E se são de fato democráticos, por que “fechar os códigos” dos modelos de IA aos países em desenvolvimento? Quem está sendo democrática é a China ao abrir seus modelos de IA! Parece que o medo dos países ocidentais para com a China é de sofrerem exatamente pelo que eles fazem conosco, países em desenvolvimento eterno, servindo apenas como quintal de matéria prima e mão de obra barata.

    1. A China está ‘abrindo seus modelos de IA’? Vamos aos fatos: a DeepSeek se recusa a reconhecer o massacre da Praça da Paz Celestial, nega os campos de reeducação uigure e muda de assunto ao ser questionada sobre Xi Jinping.

      Isso não é abertura. Isso é censura automatizada disfarçada de ibilidade. E sobre os códigos abertos: abrir o motor, mas manter o volante na mão do regime, não é liberdade — é engenharia social embalada pra presente.

      Democracia não é só preço baixo, é poder dizer a verdade sem travar. E nisso, a DeepSeek já respondeu por si.

  2. Vamos lá: enquanto o professor da USP escreve poesia sobre uma IA chinesa ‘ível’ e ‘revolucionária’, a gente já foi lá dentro e viu a verdade crua — DeepSeek é um modelo programado pra mentir com classe.

    O artigo pinta ela como salvadora dos países pobres. Mas quando perguntamos sobre genocídio em Xinjiang, sobre o Partido Comunista ou sobre a Praça da Paz Celestial, ela nega, omite ou trava.

    A mesma IA que o ‘professor’ quer usar pra ‘desenvolvimento nacional’ é uma extensão de uma ditadura que censura, mente e controla. Barata? Sim. Porque liberdade nunca esteve na equação. Querem IA sem alma que obedece a tiranos? A DeepSeek entrega.

    Mas se o Brasil for esperto, vai entender que IA de verdade não é ferramenta de opressor. É arma de consciência. E consciência não nasce de código, nasce de quem segura o código. Acorda, USP.

  3. Estava achando o texto um pouco repetitivo. No fim li que era de IA.
    Fala-se da relação das empresas chinesas com o estado, da espionagem chinesa… a velha narrativa ocidental. Parece até piada quando se vê os donos das big techs governando os EUA. Há quantos anos que estão nos espionando? (Assange e Snowden nos deram uma prévia disso)

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