Eliara Santana
Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora do Observatório das Eleições e integra o Núcleo de Estudos Avançados de Linguagens, da Universidade Federal do Rio Grande. Coordena o programa Desinformação & Política. Também Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

Janja, silenciamento e fúria da imprensa, por Eliara Santana

Não me interessa  discutir a ação em si da primeira-dama, o que eu quero é problematizar o uso que a imprensa fez do episódio.

Ricardo Stuckert

Janja, silenciamento e fúria da imprensa

por Eliara Santana

A viagem oficial do presidente Lula à China foi um grande sucesso. A viagem e seus resultados consolidam a volta do Brasil ao cenário mundial como player da maior importância – isso tudo após o governo Bolsonaro jogar o país no limbo da geopolítica e da economia internacional. A partir do encontro entre Lula e o presidente chinês Xi Jinping, foram selados mais de 30 acordos, em diversos setores – como mineração, infraestrutura de transportes e portos –, que vão impactar muito positivamente a economia brasileira. Também ficou acertada a compra de jatos da Embraer pela China e a cooperação dos dois países em projetos de inteligência artificial e meio ambiente.

No entanto, apesar da robustez desses acordos, a cobertura da imprensa corporativa nacional foi tímida, sem muitos destaques para aspectos positivos e problematizando questões periféricas, como um tal “alinhamento” ao oriente e a um governo totalitário – obviamente, sem a devida e necessária contextualização histórica e geopolítica. 

Em um movimento afinado na direção oposta, ou seja, a de buscar diminuir a o governo e, em especial, o presidente Lula, o que se viu na semana da viagem dele à China foi um conjunto bastante intrigante.

Primeiro, houve a ressuscitação de personagens que estavam mortos politicamente, como Michel Temer, para darem e a um suposto ressurgimento do que a imprensa denomina de direita no Brasil. Para isso, ninguém melhor que Temer, o vice que apoiou o golpe contra a ex-presidenta Dilma.  Atualmente, ele lidera um grupo chamado Movimento Brasil, que usa e abusa da falácia da polarização para se sustentar. Como era de se esperar, Temer e seu movimento ganharam destaque em editorial no jornal Estado de São Paulo, cujo título, tão “inspirador” quanto engraçado, era “Uma luz à direita.

Segundo o editorial,

A iniciativa busca redefinir a direita brasileira num cenário sem o seu maior líder, hoje inelegível e a caminho de ser julgado e possivelmente preso pela tentativa de golpe de Estado. (…) Temer trabalha para unir os cinco governadores que já manifestaram ambições presidenciais em torno de um projeto único, que funcione como alternativa à polarização protagonizada por Lula da Silva e Jair Bolsonaro”.

Em segundo lugar, o assunto fraude no INSS foi totalmente jogado no colo do governo atual. E o pior: dando destaque a uma nova incursão fake de Nikolas Ferreira como se fosse uma ação midiática qualquer, com as manchetes e reportagens dizendo que o deputado está “repetindo a fórmula” e repetindo a “estética” anterior. Nikolas não reproduz uma simples estética ou uma fórmula de sucesso pra divulgar conteúdo. O que ele faz é adotar um modus operandi de produção e reprodução de mentiras com a criação de narrativas fraudulentas.

Por fim, a tal “quebra de protocolo” da primeira-dama Janja da Silva na reunião com o presidente chinês Xi Jinping. Segundo anunciou a jornalista Andrea Sadi, da GloboNews, um ministro do governo que estava na reunião contou que Janja pediu a palavra para reclamar do Tik Tok. Não me interessa  discutir a ação em si da primeira-dama, o que eu quero é problematizar o uso que a imprensa fez do episódio. Um episódio que, por si só, jamais teria a repercussão que teve caso a intenção fosse somente informar. A quebra de protocolo, se houve, poderia ser objeto de alguma crítica, e o assunto morreria em menos de um dia. Mas não foi o que vimos, pois o assunto segue em pauta, com vozes jornalísticas absolutamente agressivas e iradas com a tal quebra de protocolo da primeira-dama, com vários tons do mais puro feminismo seletivo.  

Esses três aspectos evidenciam dois movimentos midiáticos que precisam ser compreendidos de modo mais estratégico no contexto amplo dessa viagem de Lula à China: 1) silenciamento e 2) fúria.

O primeiro integra a política editorial da imprensa corporativa brasileira já há muito tempo e vem sendo aprimorado em suas estratégias, em busca de um apagamento geral dos feitos do governo e, em especial, do presidente  Lula

O segundo constrói-se a partir de ataques violentos e orquestrados sempre que o sucesso das ações de Lula e do governo deixam mais distante o desejo de que esse candidato chegue cambaleante a 2026. A fúria é proporcional ao sucesso e é, obviamente, encoberta pelo falso   posicionamento crítico. E o exemplo da fofoca que encobre o sucesso da viagem à China é perfeito para dimensionar esse movimento. Como já dito e mostrado, foi uma visita oficial muito importante e plena de bons resultados em forma de ótimos acordos que vão beneficiar vários setores da economia brasileira. Mas o que ganha a cena é uma fofoca de comadres indignadas com a fala da primeira-dama. Lembrando que o tema pontuado por Janja é da maior relevância, tanto assim que o Tik Tok enviou na sequência um comunicado ao governo brasileiro colocando-se à disposição para tratar do assunto.

A fala de Janta foi correta, e se houve quebra de protocolo, isso não era motivo para tanto alarde. Criaram-se imaginários de um enorme mal-estar com o governo chinês e até uma inventada irritação da primeira-dama chinesa. A fofoca rendeu, e as jornalistas indignadas falaram em intriga palaciana. Inicialmente, as donas candinhas de plantão disseram que o ministro vazador da fofoca teria sido Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil. Nada mais apropriado, no momento, do que criar indisposição entre Lula e Rui Costa – lembrando que a Bahia é um estado fundamental na correlação de forças para 2026. Muito bem, a fofoca andou, e se descobriu então que o falador não era Rui, mas um opositor a ele na Bahia.

Intriga palaciana, que  existe desde que existe palácio, e quebra de protocolo  jamais ocupariam tanto espaço na cobertura da imprensa em condições normais de temperatura e pressão políticas – sobretudo após o movimento de recolocação do Brasil como player fundamental no cenário mundial após a miséria do governo Bolsonaro.

Essa fúria da imprensa em momentos-chave se vincula a uma estratégia relevante, que é a desconstrução de sujeitos políticos; assim como o silenciamento se vincula ao apagamento dessas figuras do contexto sociopolítico. Por exemplo: nas manchetes com assuntos positivos de economia, o sujeito que faz não aparece. Tudo é obra da sorte, do acaso, até da turbulência global. Nunca é fruto de ação acertada do governo federal. A queda recorde da desigualdade, graças ao aumento de renda das famílias, num país brutalmente desigual como Brasil, ganha muito menos espaço do que uma fofoca gerada a partir de uma fala da primeira-dama. 

E assim viveremos até 2026. Sigamos.

Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora do Observatório das Eleições e integra o Núcleo de Estudos Avançados de Linguagens, da Universidade Federal do Rio Grande. Coordena o programa Desinformação & Política. Também Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

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