Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

Censura. Notas torpes sobre orgia, Marcola e o ex-capitão, por Armando Coelho

O humor sádico é indiferente à dor alheia, e consegue arrancar gargalhadas em cima de temas como pedofilia, sadismo, preconceito

Marcelo Camargo – Agência Brasil

Censura. Notas torpes sobre orgia, Marcola e o ex-capitão

por Armando Coelho Neto

Depois do espetáculo de cinismo e covardia de ontem, no Supremo Tribunal Federal, o provável anseio do leitor seria outro. Os golpistas estavam tentando explicar o porquê “fizeram tudo certo, dentro da lei”, mas deu tudo errado, bem como esclarecer como “velhinhos com bíblias nas mãos, pacificamente” vandalizaram a sede dos Três Poderes, e depois perderam a memória… “Não lembro, ministro”.

O ministro Alexandre de Morais entrou num festival de não sei, não vi, não fui eu, não estava lá. E a estranha participação do ministro Luís Fux mereceria ser classificada como … piiiiiii! Ao invés de Fux ou Xandão, o assunto é mesmo censura, liberdade de expressão, com foco no ministro André Mendonça e um humorista sádico, igualmente defensor de direitos e garantias fundamentais.

Sim. Entre um depoimento e outro, a Pistoleira dos Jardins fugiu e não se sabe se tentará voltar ao reduto de onde teria saído, segundo as más línguas. Seja onde for, vai falar de censura e direitos fundamentais, engrossando o time de parasitas foragidos, que tramavam contra o Brasil internamente, mas num gesto de covardia e traição, decidiram conspirar contra o país nas trevas de Donald Trump.

E onde entra Mendonça? Liberdade de expressão e inexistência de censura são princípios garantidos pelas democracias, que meliantes querem usar para destruir a democracia. Sem limites? Durante debate com o ministro Flavio Dino, Mendonça disse que qualquer um pode chamar os ministros do STF de ladrão. Para ele, chamar um ministro de ladrão, “Ainda assim, só representa uma opinião”.

Em resposta, o ministro Dino disse que “a tese da moral flexível degrada o serviço público”. A sociedade também, claro. Isso amplia as vertentes sobre a liberdade de expressão, razão pela qual o leitor está convidado a examinar o caso de um humorista de quinta categoria, que foi condenado, preso e já está solto. Entre os apoiadores do sádico humorista, bolsopatas de primeira linha.

Em Curitiba, cerca de 4 mil pessoas riram das sórdidas piadas do criminoso. O humor criminoso fez tanto sucesso, que acabou ganhando mais de 2,5 milhões de visualizações no YouTube. O tal humorista já foi condenado por conta de comentários ofensivos sobre a mãe de um jovem autista, e já conseguiu arrancar risadas com uma anedota sobre uma criança com hidrocefalia.

O humor sádico é indiferente à dor alheia, e consegue arrancar gargalhadas em cima de temas como pedofilia, sadismo, discriminação e preconceito contra negros, mulheres, idosos, gordos, homossexuais, nordestinos, indígenas, escarnio de pessoas deficientes, portadores de HIV. Tudo em nome da liberdade, da moral flexível. Seria o caso de perguntar quem ri, e com que vertente política se identifica.

No teatro em Curitiba, por exemplo, a plateia tinha um ar de chiqueza – retrato oficial do capitalismo decadente. Dos trajes ao celular, do sapato aos penduricalhos, além de uma série de itens materiais com os quais gente desse jaez costuma esconder o vazio. Discurso brega, faz do ato de ostentar autoafirmação, cujo espelho é a elite corrupta, imoral e que, no plano político, nada pode ser dela esperado.

Não à toa, bolsopatas – os novos defensores de direitos humanos, da liberdade de expressão e da inexistência de censura -, apressaram-se em analisar o perfil da juíza que condenou o humorista sádico. Descobriram que o TCC da magistrada foi orientado por Mauro Iasi, um comunista que já pregou paredão para direitistas. Ah! O inelegível representou contra Iasi, por “crime contra a segurança nacional”. Heim!?

Assim, com a licença poética do ministro Mendonça, caberia arriscar uma piada sobre uma orgia sexual hard core, com ataques à família tradicional, ofensas ao sentimento religioso. Que tal defecar sobre a bíblia? Cenas de sadomasoquismo entre José e Maria, com Jesus menino sendo tratado como uma criança palestina nas mãos de Benjamin Netanyahu, no estado terrorista de Israel (Palestina Livre!).

Censura e liberdade de expressão converteram-se naquilo que não se quer que o outro diga? Há muitos aspectos que a serem considerados. No plano pessoal e coletivo, a pela dor do outro, no sal atirado na ferida aberta do próximo. No campo político, aferir a adequação aos valores garantidores da própria democracia, já que é ela que, paradoxalmente, garante e define o que lhe dá e.

Como extensão dessa liberdade, que tal pedir a opinião de Marcola, Beira-Mar, Marcinho VP, Nem da Rocinha, Cabeça Branca…? E, claro! Ouvir a opinião do inelegível!

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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6 Comentários

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  1. Esse nojento pode fazer piada com crianças com hidrocefalia e autismo pois até desembargadora do RJ-RJ já desfez de pessoas com sindrome de down e ficou impune.

    A professora Débora Seabra, primeira professora com síndrome de Down do país, fez uma carta em resposta a uma postagem preconceituosa da desembargadora Marília Castro Neves, do Rio de Janeiro, publicada no fim de semana (veja íntegra da carta mais abaixo).

    Em carta divulgada no dia 18 de abril deste ano, a desembargadora diz que a postagem foi feita há 3 anos.

    Na postagem, a desembargadora questiona o que professores com síndrome de Down podem ensinar a alguém. Recentemente, a juíza publicou também notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro.

  2. Quem ri das “piadas” de um determinado sujeito autointitulado humorista, deveria se colocar no lugar (empatia que chama, né?) de pais de crianças com hidrocefalia, que teriam um poço instalado na cabeça, no dos pais e vítimas do incêndio da boate Kiss, dos familiares das vítimas do acidente com a chapecoense, das filhas estupradas, das vítimas de incestos, das vítimas de homofobia, racismo e misoginia, dos familiares dos judeus mortos na segunda guerra, dentre tantas outras infâmias, para perceber que tudo isso é crime, e não liberdade de expressão, não é só piada.
    Aquele que concorda que esses temas são apropriados para “piadas”, tem a sua bússola moral tão avariada quanto a do pseudo humorista.
    Não custa lembrar que há um limite para todas as coisas, e quando ultraado, não raras vezes, importa em dor, sofrimento, tristeza…

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    Quem ri das “piadas” de um determinado sujeito autointitulado humorista, deveria se colocar no lugar (empatia que chama, né?) de pais de crianças com hidrocefalia (que teriam um poço instalado na cabeça), no dos pais e vítimas do incêndio da boate Kiss, dos familiares das vítimas do acidente com a chapecoense, das filhas estupradas, das vítimas de incestos, das vítimas de homofobia, gordofobia (sugere que pessoas gordas “comam” homossexuais sem o uso de preservativo. O objetivo seria contrair HIV e, consequentemente, emagrecer), racismo (“já nasciam empregadas” durante o período da escravidão. E que, ainda assim, “achavam ruim”), e misoginia, dos familiares dos judeus mortos na segunda guerra ( à Quarta-Feira de Cinzas como sendo um feriado para judeus) dentre tantas outras infâmias, para perceber que tudo isso é crime, e não liberdade de expressão, não é só piada.
    Aquele que concorda que esses temas são apropriados para “piadas”, tem a sua bússola moral tão avariada quanto a do pseudo humorista.
    Não custa lembrar que há um limite para todas as coisas, e quando ultraado, não raras vezes, importa em dor, sofrimento, amargura, tristeza… Mimimi é quando quem sente a dor é o outro!

  3. Excelente. Deveria ser veiculado em todos os jornais, mídia eletrônica, enfim, os meios de comunicação que chegam à população em geral.
    Não há como negar as verdades aqui mencionadas.
    Nem o inelegível conseguiria.

  4. Dino tem razão. E a moral flexível, de tão flexível vira imoral. E liberdade de expressão que se expressa com tanta libertinagem e ofensas ao outro, se transforma em “liberdade ao caos social”. Ótimo texto Armando.

  5. Por falar em Fux, do alto de seu topete repartido ele cantou uma bola que poderá colocar em risco uma boa parte do processo contra o bozo e outros acusados. Pergunta ele ao réu : Ahn!, e a gravação dessa reunião que discutiu o golpe foi gravada legalmente? – sem muita certeza o réu respondeu que não, e o advogado trocou um olhar enigmático com o ministro, que baixou os seus olhos de rapina e continuou o interrogatório, aparentemente se desviando do assunto.

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