Governo quer aumentar impostos, que o Congresso rejeita como sendo dinheiro para “vale-reeleição”, por Antonio Machado

Com despesas correndo à frente das receitas, o modelo de governança dirigido para angariar eleitores implodiu e não pode continuar

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

BRASIL S/A

Armações políticas

Governo quer aumentar impostos, que o Congresso rejeita como sendo dinheiro para “vale-reeleição”

Por Antonio Machado

A crise fomentada pelo governo ao tentar onerar os impostos para engrossar a arrecadação tributária já recorde e expandir ou criar projetos de sedução eleitoral foi oportuna. Com despesas correndo à frente das receitas desde a segundo metade do governo Bolsonaro e aceleradas na gestão Lula, o modelo de governança dirigido para angariar eleitores implodiu e não pode continuar.

É este o sentido dos alertas nas últimas duas semanas, a partir do decreto presidencial que aumentou unilateralmente as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de que o ato seria sustado no Congresso. Trata-se de decisão democrática: o governo propõe e o Congresso aprova, veta, muda ou engaveta a proposta.

Em geral, aprova. Só que o tempo ou e muitos não viram.

Não viram, por exemplo, que dos 177 milhões de brasileiros em idade ativa, 104 milhões recebem salário, aposentadoria ou bolsa do orçamento federal, segundo uma consolidação da gestora Kinea.

Isso equivale a 95% da força de trabalho (110 milhões) e 58% da população ativa, com custo de R$ 1,6 trilhão em 2024. Como fazer ajuste fiscal frente a tais dados? E o governo quer inflar mais.

Hoje, ao se mostrar alinhado ao sentimento majoritário em todas as classes sociais contrário ao peso dos impostos, medidos pela carga tributária de 33% do PIB, a facção de economistas com viés fiscalista cobra coerência do Congresso. Chamam os parlamentares de hipócritas, já que são cumplices de três décadas de aumentos sem dó dos tributos federais, estaduais e municipais. É verdade.

O que qualificam de “hipocrisia”, contudo, pode ser visto como o início da maturidade do processo político, em que oposição não se transforma em base governista à custa de aliciamento pelo manejo do pagamento de emendas de despesas à lei orçamentária e a entrega de ministérios e autarquias, mas em torno de um ideário comum.

Um Congresso altivo, o que implica partidos com projeto de país, é o alicerce da democracia. Isso perdemos desde o escândalo da Lava Jato, mas começou antes, quando o governo aliciou partidos e parlamentares com mesadas e facilidades que os levaram a conectar-se a lobbies empresariais e a promover a elite da burocracia de servidores da população a sócios do Estado para lhes servir.

Entrelaçamento dos infernos

A húbris do governo ao escalar o IOF foi metástase de um sistema exaurido. Incomodou o Congresso, mas não o governante, que apelou a “gambiarras”, na expressão do presidente da Câmara, Hugo Motta.

O fez para tomar por meio do IR a receita que esperava arrecadar com o IOF não para ajeitar o déficit público e, sim, para bancar outra leva de projetos eleitoreiros sem implodir o regime fiscal.

Segundo um interlocutor da direção no Congresso, “Haddad e Lula não querem aprovar um ajuste fiscal, querem que o Congresso aprove o ‘vale-reeleição’”. Sua lista: gás de graça, Pé de Meia, conta de luz gratuita até 80kw, isenção do IR até R$ 5 mil etc.

O tal do arcabouço rachou e se apruma graças ao endividamento do Tesouro via títulos emitidos sobre os quais incide a taxa de juro definida pelo Banco Central, a Selic. É este o entrelaçamento dos infernos: dívida crescente, inflada pela taxa Selic, cujo nível atual, 14,75% ao ano, arruína o caixa das empresas e faz a festa dos rentistas para esfriar a inflação movida a consumo e custos.

Está tudo desarrumado e desarranjado entre os três poderes, com invasão de competências do legislativo pelo STF – como agora, ao decidir, o que se confunde com legislar, sobre o que pode ou não ser postado em redes sociais -, e do Congresso sobre o Executivo, que se escora no Judiciário para se impor à Câmara e ao Senado.

Muitos estranham a reação do Congresso, tomada por hipocrisia ou rebeldia, normalizando o que de fato é estranho: um governo sem a maioria parlamentar aprovar a maior parte de seus projetos. Como?

Ou é coalizão ou é confusão

Se o bloco de esquerda liderado pelo PT é e sempre foi amplamente minoritário no Congresso, com 20% de 81 senadores e 25%, se tanto, do total de 513 deputados, não havendo nenhuma identidade entre os programas dos partidos de centro e direita com os ideais do presidente, algo não republicano os uniu. E agora os desune.

Chamou-se este arranjo de “presidencialismo de coalizão”, o que é uma expressão tecnocrática demais para uma base formada a pretexto de dar governabilidade ao Executivo à custa de pagamentos por meio de emendas e o comando de estatais e licitações, dando no que deu.

Nos dois governos FHC, o PSDB não tinha maioria, mas a gestão e os propósitos estratégicos foram divididas com PFL e MDB, moldando uma maioria confortável sem grandes polêmicas. Além do acerto de que caberia ao PFL indicar o candidato em 2002 à sucessão de FHC, frustrada pela morte precoce do deputado Luis Eduardo Magalhães.

Sem este contexto, não se compreende o atual dissídio político e o que pode amenizá-lo. Governo e Congresso harmônicos houve só no tempo de Temer, inviabilizado pelo incidente ainda pouco claro em que um empresário gravou uma conversa com o presidente. Não fosse isso, e as grandes reformas estruturantes teriam sido aprovadas.

Para o caldo não entornar

Na gestão ada, depois de bradar ser “antissistema”, Bolsonaro entregou a interlocução com o Congresso e a execução fiscal ao tal centrão, vindo daí o “orçamento secreto”, forma de projetos serem aprovados a despeito do presidente não ter maioria parlamentar, e é o que fez Lula aprovar o que quis até meados do ano ado.

Ao ar a anunciar primeiro e depois procurar o Congresso, como fez com o IOF e a MP do IR, pôs o ministro Fernando Haddad na roda e atiçou a maioria a se descolar do governo tanto por se ver forte nas eleições de 2026, quanto por saber ter o apoio de boa parte do eleitorado e do empresariado contra gazuas para abrir cofres públicos, ou “gambiarras” tributárias segundo Hugo Motta.

Hoje, estamos assim. O governo acena com a liberação das emendas que ainda pode reter (as não impositivas) e, como suspeita grande parte dos partidos de centro, joga combinado com o ministro Flávio Dino, do STF, relator do processo sobre o orçamento secreto. Morde e assopra, na expectativa de dançar com Motta e Davi Alcolumbre.

Mais provável é que renuncie a parte do “vale-reeleição” e ceda algum corte efetivo de gasto. Mudar para valer o problema fiscal, porém, só depois de 2026. E cada lado será intensamente cobrado a apresentar programa e soluções inovadoras.

O que se espera? Ações para tirar obstáculos ao desenvolvimento econômico e social, restabelecer a integridade das instituições e reacender a esperança da sociedade, para dinamizar a economia, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços públicos e promover o crescimento movido a investimento e o bem-estar com uso intensivo e inclusivo de inovações conectadas aos avanços tecnológicos.

Sem algo assim, o caldo social e político já ruim deverá entornar.

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7 Comentários

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  1. Hum, texto interessante, principalmente por achar que ” Governo e Congresso harmônicos houve só no tempo de Temer, inviabilizado pelo incidente ainda pouco claro em que um empresário gravou uma conversa com o presidente. Não fosse isso, e as grandes reformas estruturantes teriam sido aprovadas.” Estruturantes pra quem, cara-pálida?
    Acredito que ” a oposição não se transforma em base governista à custa de aliciamento pelo manejo do pagamento de emendas de despesas à lei orçamentária e a entrega de ministérios e autarquias”. Sobre o ” ideário comum” este só ocorrerá quando enfim conseguirmos eleger um congresso digno. Raros tempos em que o povo tem essa capacidade, iludido que é pelos oportunistas bem pagos da vez. A turba se inspira pelos bafos do poder reinante que pode nem ter inspirações nacionais.

  2. Mais um pra defender subsídios e isenções para ricos e colocar no lombo do povo a conta de tudo. Defender esse mar de ratos podres que virou o congresso é no mínimo canalhice. O triste é o GGN publicar isso …

    1. Pois é, denominar como ao lado do povo um congresso que isenta em bilhões religiões e rulalistas em benefíciode seus parças, que desmonta o meio ambiente, que permite usurpação de terras por grupos chefiados por grandes ruralistas, que não abre mão de emendas bilionárias, que acochambra golpistas e tenta destruir a reputação de Lula na expectativa de colocar algum idiota de direita cujo único propósito de governo é indulto para o cretino genocida,um congresso que apresenta propostas para somar aposentadoria de parlamentares ao novo salário se ocupar outro cargo eletivo – mesmo que vereador em qq cidade com um mínimo de eleitores e lembrando que se aposentam rapidinho.
      Enfim, mesmo entendendo o viés democrático deste espaço, não há como engolir um papo furado deste.

  3. É por artigos assim que parei de doar contribuição para esse GGN, em torno de conversa afiada de liberdade de expressão dá voz ao que Há de pior e mais vagabundo de coluna que mais parece a folha de são paulo. Parei faz tempo Nassif, parei porque pra ver artigos imbecis e claramente de financistas como esse que parei e não volto mais. Nenhuma palavra sobre isenções ficais né? Dá pra entender

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