Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Crise no INSS e a estratégia de maximização de danos, por Aldo Fornazieri

A prudência recomendava que, ao assumir, Lula orientasse os ministérios e órgãos públicos a promoverem uma checagem, ar um pente fino

Eduardo Kobra

Crise no INSS e a estratégia de maximização de danos, por Aldo Fornazieri

O escândalo do INSS, marcado pelo roubo dos aposentados por organizações associativas, caiu como uma bomba termobárica sobre o governo, justamente no momento em que engatilhava uma recuperação na avaliação da opinião pública. O governo ficou atônito, desorientado, sem saber como reagir. Os partidos governistas ficaram paralisados no Congresso, numa posição cômoda ou acovardada, pois não reagiram com força na defesa do governo.

Esse escândalo tem três sócios: o governo Bolsonaro, onde se originou a roubalheira; a Câmara dos Deputados, que aprovou leis que favoreceram as fraudes; e o governo Lula, que não fez um pente fino nos organismos públicos ao assumir o terceiro mandato e deixou que o assalto aos aposentados continuasse. Mesmo o governo adotando providências para investigar e estancar a crise, o peso maior do desgaste recai sobre a atual istração. Ainda não há pesquisas que medem o impacto do desgaste do governo, mas ele não deve ser pequeno.

O mais estranho nessa crise é que o governo poderia tê-la evitado e, depois de explodir, poderia tê-la minimizado. Não se pode esquecer que o terceiro mandato de Lula segue-se ao desastroso governo Bolsonaro. Este governo cometeu vários desatinos nos principais ministérios e órgãos com funções de gestão de políticas públicas. Quem não se lembra do que foi feito na Saúde durante a pandemia? Ou o que foi feito na educação e em outras pastas?

A prudência recomendava que, ao assumir o terceiro mandato, Lula orientasse todos os ministérios e órgãos públicos a promoverem uma checagem, ar um pente fino, em todos eles para averiguar o que estava sendo feito em termos de gestão, istração e execução. Pouco ou nada foi feito. O governo parece ter adotado a tática Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar”.

A própria Abin deveria ter alertado os descalabros no INSS, os absurdos no SUS, os desastres nas políticas ambientais e a morte dos indígenas. Mas a Abin permaneceu infiltrada de bolsonaristas. Agora tem-se um escândalo que impressiona pela quantidade de pessoas afetadas, que espanta pelo volume dos recursos envolvidos e que causa indignação pela facilidade com que o roubo de aposentados vulneráveis e pobres poderia ter sido evitado.

As medidas prudenciais de checagem não só não foram adotadas como os descalabros de décadas na gestão do INSS continuaram, a exemplo do crescimento das filas sob a gestão de Lupi, entre outras incompetências, impondo sofrimentos aos aposentados. A falta de ação, de vontade política, vale também para o SUS e para outros órgãos prestadores de serviços. O governo Lula não tem marcas. Se tivesse desburocratizado e modernizado o INSS e o SUS teria duas marcas excelentes, pois estaria atendendo demandas de setores dentre os mais vulneráveis. Tecnologias não faltam para que essas modernizações ocorram.

Outro fato que causa estranheza e é inissível no caso do escândalo do INSS é que dois ministros, Carlos Lupi (Previdência) e Vinícius Marques de Carvalho (Controladoria Geral da União), sabiam desde 2023 o que vinha ocorrendo. Nenhum dos dois adotou qualquer providência. Uma das funções da CGU é justamente impedir atos de corrupção. Por que eles não adotaram medidas? Eles alertaram o Planalto, a Casa Civil, o presidente Lula?

Os dois ministros deveriam ter sido demitidos quando as informações vieram a tona. Vinícius continua no governo. Lupi só saiu nove dias depois da operação da Polícia Federal contra os fraudadores. As primeiras medidas para dar uma solução à crise só apareceram 15 dias depois da revelação do escândalo. A não demissão dos dois ministros revela a fraqueza do presidente Lula. No caso de Lupi, alegou-se que ele preside o PDT, que tem nove deputados federais.

Qualquer estudante de ciência política saberia que a posição de Lupi era insustentável. Saberia também que o governo precisaria agir rápido para minimizar o desgaste. Nos dois casos, o governo adotou a estratégia de maximização de danos, o oposto da estratégia de redução de danos.

A estratégia de redução de danos foi adotada no Brasil no âmbito da saúde pública, implementada pela primeira vez por gestores petistas na prefeitura de Santos, tendo como foco o combate à AIDS e a outras doenças. Ela visa reduzir riscos e consequências negativas associadas a determinadas condutas das pessoas afetadas. Do ponto de vista mais amplo, a estratégia de redução de danos se refere a uma conduta ética relacionada a adoção de medidas para mitigar efeitos relacionados a práticas que causem danos, sofrimentos ou qualquer outra consequência negativa. A rapidez no tempo na adoção de medidas é um indicador de eficácia dessa estratégia.

Ao demorar em anunciar medidas para sanear o INSS e em afastar Lupi, o governo preferiu maximizar o desgaste antes de agir. Foi massacrado nas redes e a oposição conseguiu as s para instalação de I no Congresso, fatos que revelam o atordoamento do governo, a falta de comando político e a continuação das crises na comunicação e na articulação política.

O governo perdeu a batalha da comunicação e Sidônio Palmeira não consegue mostrar a que veio. Dois vídeos são indicados, por analistas, paradigmas dessa derrota. Nikolas Ferreira, mesmo mentindo como de costume, fez um vídeo profissional, impactante e tecnicamente e politicamente eficiente. Conseguiu milhões de interações. Lindeberg Farias fez um vídeo amador, insipido, contraproducente, com minguado engajamento. Os bolsonaristas se adiantaram propondo o óbvio: proibir o INSS de fazer qualquer desconto.

Na esfera da articulação política, em poucos dias Gleisi Hoffmann colheu derrotas acachapantes: não evitou que o projeto da anistia dos golpistas agregasse número de s suficiente para tramitar com urgência, não evitou que a proposta de I do INSS alcançasse o número de s para ser viabilizada, e foi incapaz de barrar o projeto que estanca o processo contra o deputado Alexandre Ramagem e, de contrabando, contra outros golpistas.  

Ainda há tempo para o governo promover uma virada, estancando as crises que ele mesmo gera e conseguindo dar um rumo ao país? O tempo está se estreitando e até agora não há sinais de mudança. A mudança depende de Lula: ele precisa constituir um comando político-operacional do governo, um estado-maior, capaz de dar direção e sentido, definindo projetos e prioridades estratégicas que sejam capazes de pautar a política do país. O governo está sendo governado pelos fatos, pautado pela oposição e pelas crises.

O governo precisa ter programas amplos, para as maiorias sociais. Não bastam os pacatos pés de meia, que atingem apenas alguns milhares de estudantes. No caso do INSS, não basta devolver o dinheiro roubado para os aposentados. É preciso modernizar e revolucionar o Instituto, transformando-o em orgulho dos aposentados e do Brasil.

É preciso tirar o SUS da condição de tapera caiada em que se encontra, tornando-o eficiente no atendimento da saúde dos brasileiros. Em suma: o governo precisa sair da pasmaceira, com uma gestão vibrante, com uma política de engajamento, construindo um projeto de futuro e de esperança.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Há outros aspectos.

    Como um governo não sabe o que sua PF está fazendo?

    Não se trata de direcionar ou impedir apurações.

    Mas dar ao chefe, o presidente, a chance de chamar o ministro e dizer:

    “Ô, seu imbecil, me explica porque você não fez nada desde 2023?”.

    Ou seja, a polícia é para dar ao presidente a chance de se antecipar ao fato, e não permitir a coisa explodir no colo dele.

    O ministro da justiça e o diretor da PF deveriam ter sido demitidos junto.

    Eu repito, não por causa da apuração, mas pela falta de controle da polícia.

    Isso é básico.

    Esse governo é igual ao time do Vasco.

    Eu, como flamenguista, tentei torcer pelo Vasco contra o Palmeiras, para permitir vantagem ao rubro negro na tabela.

    Não dá…o Vasco é muito medíocre.

    Igual a esse governo.

    Minha memória afetiva de militância me impele a torcer a favor, mas é um governo de cretinos e idiotas.

  2. Professor Aldo impecável.
    É necessário dizer a verdade. O governo Lula 3 é um desastre. Envergonha seus eleitores, apoiadores e simpatizantes. Viagens e mais viagens, gastos e mais gastos. A primeira dama é uma peregrina. Ano que entra, toda essa incompetência, leniência, estupidez será jogada na cara do presidente na campanha. Temos que dizer a verdade: Lula deveria ter o mínimo de humildade e desistir de outro mandato. Não tem mais condições. Ele e as principais lideranças do PT não têm nada de inovador para apresentar à população. Humildade. Abrir espaço para outras pessoas.

  3. Prezado, o que é possível fazer com um congresso retrógrado como este?
    O que fazer contra impulsionentos artificiais nas redes, conforme post recente publicado aqui no jornal GGN?
    Como combater a canalhice e segregação de informações de jornais cretinos como o globo que, diuturnamente, dispara goela a dentro da população pilulas contaminadas como a que li há pouco ao entrar no Chrome e que culpava a esquerda por defender os descontos do INSS abrindo o texto com “Salvação dos aposentados”? Não leio ou menos ainda, assino, este folhetim chamado globo, então não sei o texto na íntegra. Mas como falava meu avô: “não importa como a zona é por dentro, o que faz a gente entrar é o letreiro piscando na entrada”.
    Pode o governo gastar os mesmos milhões que gastam tipos como nicolas, sem ser massacrado nos jornais?
    Como combater as inverdades disseminadas em salas, apelidadas igrejas, onde pessoas simples (tenho exemplos (diários) am a demonizar Lula e comemorar tipos com bolsonaros, micheques, nicoles, malacheias, e outros similares, que acreditam menos em um Deus do que eu, que me considero ateu?
    E, como atestado neste post, como esperar dignidade, ética ou ação positiva e preditiva de órgãos contaminados pela gestão anterior?
    Lula é o gestor maior do país, que depende das ações dos órgãos subordinados. Lula não é Pato novo, mas não é auditor, pelo contrário, é auditado a todo tempo por vários facínoras que se intitulam “do bem e de família”
    Não chefia, não é tarefa fácil governar este país contaminado pela hipocrisia e mentiras, onde quem poderia auxiliar na mudança toca um, desculpem, f***-se para o povo

  4. E, complementando, li que aquilo que se diz oposição apesar de cheios de ministérios, acaba de solicitar instalação da I do INSS.
    Dirão os idiotas da objetividade: Mas é desde de 2019 até 2024! E daí?
    Atingir bozo que já está na merda? O que é um pum para quem já está todo c***do?

  5. Acredito que, no caso do INSS, custaria nada apontar de onde virá o dinheiro para ressarcir descontos ilegais, bem como ações a serem tomadas junto às instituições que atuaram na farsa. E, claro, também o que acontecerá após fraudadores.

  6. Prezado Carlos. O que Você escreveu está correto mas não podemos deixar de apontar a falta de planejamento, falta de controle do ministério. O Aldo disse muito bem. A constatação é que Lula está alienado dos problemas do país e do governo dele. “Deixa vida me levar”…. Não é somente ele mas toda a liderança do PT. Veja o nível desses ministros. A responsabilidade é do Lula, pois ele é o chefe. Foi eleito para governar. Os ministros sequer o respeitam. Veja o exemplo desse Lupi recusou-se a demitir o canalha do INSS. Espero estar enganado mas Lula está pavimentando o caminho para a extrema direita ano que vem. Aguardemos as pesquisas depois dessa catástrofe do INSS. Abraço.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador